Lições de Batuíra
A Bica do Convertido
Certa vez uma senhora, esposa de rico fazendeiro, desenganada pelos médicos, tendo ouvido falar de Batuíra e suas curas através da homeopatia, pediu ao marido que fosse até a Rua Espírita buscar tais remédios. O fazendeiro, tão poderoso quanto orgulhoso, a contragosto atendeu ao pedido da companheira. A meio caminho, porém, como o orgulho falasse mais alto, encontrou uma nascente de água límpida e encheu a garrafa que portava e que serviria para trazer tais remédios e voltou para caça. Ao encontrar a esposa, entregou-lhe o líquido da fraude e disse-lhe: É para você tomar uma colher de sopa quatro vezes ao dia. Quando terminar eu volto para buscar mais.
Disciplinada, a esposa iniciou “o tratamento” e começou a apresentar melhoras para surpresa do fazendeiro. Ardiloso, ele arma um plano para desmascarar o “charlatão espírita”.
O dia escolhido foi por ocasião de palestra pública. Lá vai ele, altaneiro, certo de ser possuidor de grande trunfo para desbancar o charlatão. Mas para quem se julgava de posse de uma armadilha, quem teve o choque da surpresa foi o próprio fazendeiro. Mal houvera se colocado entre a plateia, Batuíra interrompeu a palestra e dirigiu-se diretamente a ele: o senhor perdeu seu tempo vindo até aqui. Era só encher de novo a garrafa com a água daquela bica, que os Espíritos colocariam os remédios na água para que a cura de sua esposa se concretizasse; faça isso e nada mais.
Envergonhado, o fazendeiro retirou-se do recinto, mas voltou no dia seguinte para nunca mais se afastar dos trabalhos do grupo.
Receita Para Marido Infiel
Também de O retumbar da trombeta extraímos este caso de Batuíra, que mostra a ponderação e a inspiração mediúnica que ele possuía ao atender seus consulentes. Talvez a mesma receita não se aplicasse a outro caso semelhante, mas a orientação segura dos Espíritos (ou sua intuição, quem o saberia?) levou-o a mostrar o caminho certo àquela esposa aflita.
Um amigo e contemporâneo de Batuíra narrou, certo dia, expressivo episódio de sua vida:
Uma senhora da mais alta posição social que, sobre as virtudes e apreciáveis qualidades do ‘curandeiro do Lavapés’; ouvira comentários respeitosos, procurou Batuíra, pressurosa, em busca de algo que lhe servisse de lenitivo ao coração amargurado e opresso, por motivo de um deslize da parte do esposo, afetando o brio conjugal. Enquanto Batuíra se mostrava despreocupado, sereno, cândido e tranquilo, denotando a quietude dos justos, a visitante, faces enrubescidas, olhos chamejantes e perscrutadores macerados de lágrimas, coração arfejante, lábios trêmulos, quedara-se estática, diante do homem baluarte do Espiritismo em S. Paulo, sem articular qualquer frase, em penoso silêncio que Batuíra quebra, afinal, dirigindo-se à senhora: “— Filha, percebo que algo inquietante e perturbador te ocorre à mente e te compromete a paz do Espírito, e que esta visita com que me honras se relaciona com os teus sofrimentos. Sei que buscas alguma cousa que te sirva de remédio à cura dos teus males, possivelmente morais. Se eu, na minha fraqueza e simplicidade te puder ser útil, sentir-me-ei feliz em te servir. Abre, pois, o teu coração e fala com franqueza, sem receios, certa de que falas a um irmão em Cristo que se interessa pelo teu e pelo bem de todos os seres.”
“- Sofro muito — disse a senhora —, pois meu marido, outrora companheiro sincero, amoroso, exemplar, degenerou, faltando aos compromissos de esposo. Todas as noites abandona o lar e se dirige a determinado ponto, que diz ser um seu escritório, onde o prendem múltiplos afazeres comerciais. Além disso, em todos os seus gestos houve uma radical mudança, com relação à vida conjugal, até que positivei ser o pretenso escritório um lar clandestino. Fiquei quase louca, e data daí minha verdadeira odisseia, um enorme martírio na minha vida; um turbilhão de ideias, pensamentos sinistros povoaram meu cérebro. Pensei abandonar o lar.
Calculei vingar-me, de qualquer modo, e muitas vezes me vi na iminência de tomar uma resolução extrema, imponderada, com prometedora e criminosa!… Mas, antes de tomar qualquer atitude, guiada por um impulso superior à minha vontade, norteada por um desejo irresistível, íntimo, e orientada pela fama dos seus prodígios de espírita, de que tanto se fala, resolvi procurá-lo, na ânsia de obter uma solução que me proporcione a reconquista da felicidade conjugal no meu lar. E resolvi, então, comigo mesma, que, se alcançasse a graça de o senhor corrigir meu marido, eu me reconciliaria com ele, sem outros inconvenientes, e a paz, de certo, voltaria a imperar no nosso lar, pois que ouvi dizer que o senhor, por meio do Espiritismo, resolve muitas cousas da vida da gente…”
“— Minha filha — retorquiu Batuíra —, penalizo-me da angustiosa situação em que se acha o teu Espírito atribulado, e devo dizer-te que o Espiritismo é cousa muito diferente do que julgas. Ele é o Consolador prometido por Jesus Cristo e que está entre nós para restaurar o seu Evangelho, consolando e doutrinando as criaturas. É, além do mais, uma doutrina religiosa, filosófica e científica, baseada em fatos, em argumentos que podem encarar a razão face a face, tudo apoiado nos Evangelhos do Mestre dos Mestres.
Uma doutrina consoladora assim não é coisa que se coadune com sentimentos egoísticos, arrogantes e subalternos dos homens, e por isso, não se pode imiscuir em cousas de foro íntimo que se relacionem com o que é material e personalista! Todavia, o Espiritismo fornece todos os recursos necessários, todos os elementos essenciais à conquista da paz das consciências. É o teu caso, minha filha, conquanto pareça insolúvel para os que não tiveram ainda a felicidade de conhecer e sentir o Espiritismo, é cousa insignificante, problema facílimo para resolver, questão banal para solucionar. Presta, pois, muita atenção ao que eu te vou preceituar, consoante preceituam os postulados da doutrina espírita, para resolver esse e outros casos idênticos, com o que serás feliz, terás todas as venturas conjugais e serás amada e respeitada pelo teu esposo. Basta-te isso — Que tenhas paciência!
“— Deveras?!…”
“— Sim, não te admires: QUE TENHAS PACIÊNCIA! Mas não vás julgar, minha filha, que ser paciente é ficar de braços cruzados, em completa inação! Não, isso é ser preguiçosa! Deves ter paciência para com o teu esposo, no sentido de o tratares com o mesmo carinho, a mesma ternura, meiguice, solicitude e desvelo de sempre, procurando ocultar-lhe a tua desdita, mostrando desconheceres a sua infidelidade, perdoando-lhe de coração a falta, esquecendo-a, não o recriminando, nem censurando ou criticando lhe o gesto, não o ridicularizando, e antes, dando-lhe sempre o teu sorriso afável de esposa — superior — dedicada e terna. E verás, então, que ele se enfartará dos desregramentos, atentará no comportamento exemplar e no teu nobre e belo exemplo, nessa preponderante lição com a qual será tocado e se arrependerá, envergonhando-se do seu próprio erro e… fechando, para sempre, o seu “escritório”:
E Batuíra falava com tanta convicção evangélica, com tanta erudição espiritual, que a desventurada senhora sentiu reanimarem-se lhe as forças, deixando o retiro cristão de Batuíra profundamente emocionada e convicta da eficiência dos métodos ditados por aquele lídimo seareiro do Senhor, e resolvida a pôr em prática, ainda que a ingentes esforços, os conselhos recebidos.
Passados alguns meses, a senhora voltou a procurar Batuíra, mas, desta vez, sorridente, jovial, deixando transparecer um grande contentamento de alma. E, com desusado desembaraço, falou nestes termos:
“– Senhor, venho hoje à sua presença para lhe agradecer os benefícios que me proporcionou. Os seus conselhos salvaram-me da desgraça, da corrupção, em cujo abismo estive prestes a precipitar-me. Observei, à risca, os seus alvitres, e posso agora dizer-lhe, sem constrangimento, que os ensinamentos espíritas que me ministrou fizeram o verdadeiro milagre da volta da paz, da confiança, da alegria, da harmonia e do amor ao meu lar! Seguindo os seus conselhos, suportei com resignação e paciência as minhas mágoas, e sofri, sem murmurar, as minhas provas. E, há poucos dias, meu marido, saindo às horas de costume, voltou momentos após, vendo-se-lhes nos traços fisionômicos algo que denotava angústia e inquietação. Recolheu-se ao seu dormitório e, uma vez no interior do mesmo, começou a andar de um lado para o outro, articulando frases, gesticulando nervosamente. Aproximando-me vagarosamente do aposento, ocultamente, procurava orar por ele, quando lhe ouvi estas palavras: Mulher infame, falsa, infiel! Eu que tudo sacrifiquei por ti; que abandonei a placidez do meu lar sagrado, bafejado dos desvelos angelicais de uma esposa dedicada e boa, roubando-lhe, criminosamente, a tranquilidade; eu que tenho negado até a atenção, o carinho, o conforto a essa esposa, e ela tudo tem sofrido, sem nada exigir, sem me condenar, sequer; eu que por ti, mulher desalmada, tenho sacrificado dinheiro, reputação, tudo… e agora me enxovalhas com a mais ignominiosa de todas as infidelidades! Não te quero mais! Nunca mais! Viverei doravante inteiramente para o amor de minha esposa!’
Não imagina, senhor, quanto me senti feliz naquela hora tão sobejamente compensadora dos meus sacrifícios e tão grata, graças ao meu benfeitor! Evidentemente, meu consorte se regenera e hoje procura estudar-me os mais íntimos desejos para me ser agradável, para me fazer feliz. Bem haja, pois, meu senhor, por tanto bem que proporcionou ao meu espírito atribulado e inexperiente.”
“— Vai, filha, nada tens que me agradecer, senão a Jesus, que me fez intermediário da sua graça.”
“Quem perdoa acende a luz da compreensão para muita gente. “
Batuíra/Chico Xavier / Livro: Praça da Amizade